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CIDADE & REGIÃO

04/12/2012

Jayme Monteiro, uma homenagem.

por Floriano Pastore Júnior

 

No último dia 7 de novembro, nós, os viventes, perdemos Jayme Monteiro e a história ganhou mais um entre os bons. E, também, ficou melhor o céu, ainda que Jayme duvidasse de sua existência, mas que há, há e é por lá que ele se apoita agora, esperando cardumes inteiros para boa pescaria, com o mano Jairo, de quem se afastou por curto período, terminando umas tarefas por aqui, no plano material.

Ele havia me antecipado que iria cumprir os 90 anos e partir. Pediu uma boa festa, para que ali estivessem os parentes e amigos para ele se despedir. Depois, como disse, iria pegar o boné e partir. E não chegou aos 91, a completar neste 04 de dezembro. Pediu a Deus, com quem nem tanto se dava, e foi atendido. Mas, para isso, tentou e insistiu; um AVC médio, depois de uns tantos pequenos presumíveis, já o tirou de boa circulação. Depois, um mais forte, e ainda foi resgatado pelo carinho de todos, Mafalda, Zeca, Ivan, Zezé, os filhos e netos...

E assim ficou por cerca de 80 dias, mas já não fazia o que tanto gostava; ler e comer toda sorte de guloseimas, que levávamos todos ao lhe fazer visitas. No último dia 6/11, à guisa de um entupimento de sonda, pelo qual baixou ao hospital, Jayme e Deus, enfim se acertaram, e ele se foi, no dia seguinte, não deixando mais chance à prodigiosa medicina que o conseguiria resgatar, não fora a cumplicidade divina. E lá se foi Jayme, para um suspiro surdo e não dito de alívio de todos que sentiam e choravam em silêncio ao vê-lo ou sabê-lo naquele estado. Todos nós, naquele período, ficamos na prática da esperança, que só se vai depois de tudo, e anunciávamos e nos alegrávamos com qualquer gesto tênue de lucidez. Mas não houve volta. Seguiu e descansou. Foi velado na Câmara Municipal de Penápolis, com decreto de luto por três dias. Não o tomei pelo fato de ter sido vice-prefeito, como de fato foi o motivo. No íntimo e sem comentar, achei justa a homenagem, porque ele foi quem foi, o grande professor de todos nós.

Jaymão. Melhor apelido não havia. De alta estatura, gestos largos e vozeirão proporcional. Não dava pra confundir e a figura se colaria na memória. Para aqueles meninos, a figura alta do professor de química, se preparava para entrar nas almas e mentes para sempre. Recém-saídos da infância-adolescência preparavam-se para desbravar a juventude. Ainda tateando os corredores do ginásio, tinham a cabeça no melhor tempo para semeadura de sonhos que, em se sabendo plantar, seriam frutuosos e permanentes. E Jaymão, sem ter a pretensão ou intenção de fazê-lo, o fez com a maestria de poucos.

Na Química, quase impossível imaginar melhor professor. Com convicção e sem medo de errar, tenho dito a muitos que Jaymão foi dos melhores professores de Química do estado de São Paulo. Formado pela USP, transitava por ali com naturalidade e onde ia buscar os textos recém-traduzidos do que havia de mais moderno. Lembro-me bem do CBA e do ChemStudy. Nas primeiras aulas, Jaymão já ia aprontando coisas que ficariam para sempre na lembrança. Pediu para levar uma vela, acendê-la sobre a carteira, observar atentamente e anotar o que víamos. Alguns, os melhores e mais atentos, escreviam várias linhas. Então, ele iniciava a descrição da sua própria vela, enquanto as nossas continuavam queimando. Desfiava quase uma página inteira de observações; e nós, resmungando, "como é que eu não vi isso antes?". E ficávamos ali aprendendo a observar com atenção um experimento: um dos primeiros e mais importantes passos na carreira científica. Uma simples vela e a determinação de fazer bem feito. Estava lá no primeiro capítulo do ChemStudy, mas Jaymão dava um lustro especial ao fazer coisa tão simples. Hoje, guardo esse dia como uma pérola da memória.

Jaymão cuidava bem da Química e a ministrava com primor, mas, também, preocupava-se em ajudar e influenciar seus colegas, também bons professores, a adotarem materiais modernos nas outras disciplinas. E o bravo Ginásio, hoje, Instituto Carlos Sampaio Filho dava a base para seus alunos passarem de primeira nos vestibulares mais difíceis da época, ITA, USP, Unicamp, entre outros. Muita gente ingressou na UnB, e tinha aí a influência do Jayme que cogitou forte da possibilidade de atender convite para dar aula no CIEM, colégio integrado à universidade recém-criada por Anísio Teixeira e Darci Ribeiro como proposta de revolucionar o ensino, sonho solapado pela ditadura. Chegou a visitar Brasília para ver as condições de trabalho, porém, creio que o dever e a missão de professor em Penápolis falaram mais alto.

Destacava-se dos outros professores, porque tinha enorme bagagem intelectual por conta dos livros que devorava e tinha memória privilegiada para citar em sala os dados, ilustrando as aulas de forma espontânea. Já exercitava naturalmente os vínculos entre ciência e sociedade. Explicava os modelos atômicos e festejava o domínio sobre a energia do núcleo, para, logo em seguida, lembrar com pesar as bombas de Hiroshima e Nagasaki. E lembrava, também, da guerra cruel do Vietnam e explicava as bombas novas que se inventavam. Com muita propriedade, falava dos problemas do Brasil e as soluções possíveis. Criticava em alto e bom som a falta de liberdade em plena ditadura. Libertário e progressista deu demonstração de coragem ao receber professores não bem- vindos, ou proscritos em universidades dóceis ao governo militar e montou na FUNEPE, a Faculdade de Penápolis, um time de excelência, sempre com apoio do fundamental prefeito Edson Geraissate. Ainda na seara política, Jaymão sabia que frequentava a lista dos dedos-duros de plantão e dava amplas gargalhadas ao falar disso. Sabia que estava sempre em boa posição, mas não em primeiro lugar na fila, porque a abusada e nem tão pacata cidade de Penápolis sempre deu inconformistas e ativadores políticos às pencas.

Na família, Jayme teve apoio irrestrito e essencial da esposa, também farmacêutica da USP, na mesma turma do esposo. Como mãe e esposa mais do que dedicada, teve sua carreira restrita, não obstante o potencial de estirpe que trazia, pois como eu soube, nem sei como, ela tinha boletim melhor do que o do Jayme. Entretanto, determinou-se ao rigor da criação que imprimiu aos quatro filhos, Newton, Tereza, Sílvio e Júnior, rigor que se transitou com naturalidade aos netos Paulo, Eduardo e Cristina, filhos de Tereza e Floriano, e por aí vai se fiando a roda do tempo e da família.

E eu, Floriano, ou Ninho, como era conhecido por toda essa época e espaço, por que segui Química? A influência do seu Jayme brotava espontânea como resposta, quase inequívoca, óbvia e inconteste. Ou mesmo outra, mais elaborada, mas com pouca chance de refletir a verdade: eu teria feito Química para conquistar o consentimento do pai da namorada, Tereza, para tê-la como esposa. Gosto dessa versão e, ainda que lisonjeira para nossa própria história familiar, não era real.

Tomo deste momento triste e, aqui, relato, esclareço e me pacifico.

Jayme soube abrir as portas daquela ciência, e minha cabeça, desde então irrequieta, viu brotar a diversidade. Uns poucos elementos, carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio, enxofre, fósforo e mais outros bem poucos, só substituindo as ligações, no quadro-negro ou no papel, e as moléculas brotavam com fartura infinita. Dali a ver os polímeros, nas pequenas partes se sucedendo sem fim, foi um pulo, e, dentre eles, a borracha, que começava então a pressentir no pensamento, mesmo que não soubesse o que seria e como seria, depois, importante para mim.

Mas, como disse, Jayme abriu as portas daquele mundo fascinante, mas outro fato e contexto me fariam cruzar o umbral e ficar para sempre neste mundo. Fernando José Pastore, o Belém, o querido irmão mais velho dos oito filhos, já em meados dos 60s era empresário bem sucedido e tinha uma fábrica de inseticidas e fertilizantes, misturando as matérias primas em pó e vendendo com a excelência de um dos melhores vendedores da família, e não eram poucos os que seguiram a carreira de vendas, honrando nossa forte ascendência árabe. Eu vivia a visitar a pequena indústria INIF, acompanhando fascinado a produção, o trabalho dos misturadores, a máquina de ensacar, o vai e vem dos materiais e os estoques. Mas Nando não sabia nada da química do que sabia produzir tão bem. E, por isso, dependia de quem quer que fosse para a produção. Ele compreendia sua vulnerabilidade e vislumbrou na minha carreira de químico uma promissora parceria e me incentivou a adentrar o mundo para o qual Jayme já havia tratado de me encantar. Foi fácil e não havia motivo para procurar outro rumo. Tudo estava preparado para um futuro encaixado e presumivelmente bom, não fosse a prematura e trágica partida de Nando, a seis meses de minha formatura. E, assim, me vi em certa deriva nem sei até quando.

Mas, se Jaymão não foi exclusivo ou de maior quinhão na escolha de minha vida profissional, foi quem me revelou o encanto pelo conhecimento e contribuiu fortemente na construção dos pilares da preocupação social, da vida íntegra e do amor pelo Brasil. E também pela Amazônia que Jaymão nem conhecia e sobre a qual falava tão bem, pelo tanto que já lera, mas nunca havia tocado os pés por lá. Neste sentido, lembrava o autor de Tintim, Hergé, que escrevia aventuras maravilhosas do mundo inteiro, sem ter nunca viajado. Além do tanto que Jayme já havia me influenciado, completou por despertar-me para a imensa região florestal que viria a ser minha paixão como objeto de trabalho.

Retribuí um pouco desse tanto que recebera ao levar Jayme ao Tapajós, nos idos de 1989, onde também se encantou com a grandiosidade da natureza que se mostrava em belos cenários de florestas, rios e gente interessante. Passou por ali duas semanas e trouxe na memória suas impressões que se traduziram em 25 crônicas publicadas aos domingos no Jornal da Comarca de Penápolis. A que eu mais gosto relata uma missa simples e pobre sob uma árvore, em uma mesa à luz de velas na vila de Piquiatuba, no médio rio Tapajós, uma das paradas em nossa viagem de barco. Pura fé e puro encanto. Jayme não escrevia essas crônicas com a vaidade natural do escritor. Fazia com o gosto e esmero do viajante que tinha um compromisso com os que não tinham viajado com ele e era muita responsabilidade. Na edição, Mafalda fazia com igual rigor a correção do texto datilografado, que ficava todo salpicado de tinta vermelha. Depois de algum tempo, reunimos essas crônicas e lançamos "À beira do Tapajós", em tarde de autógrafos no dia da sua posse como vice-prefeito de Penápolis, numa grata e totalmente inesperada surpresa.

Hoje, já vai tudo se tornando matéria da memória e, pelo desenlace tão recente, tudo muito triste.

 

Brasília, 18 de novembro de 2012.

E-mail: fpastorej@gmail.com

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