CANTINHO DA SAUDADE

Memórias do Carboni: O Saci

Minha mãe acreditava piamente na existência do saci. Ela dizia que nunca tinha visto um pessoalmente, mas já ouvira o barulho e as artes cometidas por ele, além de ouvir histórias contadas por outras pessoas. Durante um certo tempo, quando eu ainda nem era nascido, minha família morava em uma colônia de casas construída para os funcionários do antigo Curtume Canta Galo. Naquela época, a firma não possuía veículos motorizados e todo o transporte de materiais era feito por carroças puxadas por burros. Era um tal de levar e buscar couro, sal, lenha para a caldeira, produtos para a curtição, etc... E minha mãe dizia que em certas noites, ela ouvia o alvoroço dos burros lá no pasto e no dia seguinte eles apareciam com as crinas trançadas. Os moradores da colônia acreditavam que aquilo era obra do saci e nem imaginavam que tudo era causado por morcegos hematófogos que vinham se alimentar do sangue dos animais. Alguns pais não acreditavam na existência do saci, mas usavam o nome dele para amedrontar seus filhos mais levados tal qual também era usada a crença do bicho papão, cuca, mula sem cabeça, etc ... Também servia para controlar a permanência e o “fogo” dos rapazes e moças namorando no escurinho, não só lá na colônia do Curtume, mas praticamente em todos os lugares daquele Brasil majoritariamente rural da época, com matas por todo o lado e mal iluminados. Os que acreditavam no saci conseguiam até descrevê-lo como sendo de estatura média, afro-descendente, com uma espécie de gorrinho vermelho na cabeça e um pito ou cachimbo que só tirava da boca para assoviar por muito tempo. A característica principal era que ele só tinha uma perna e de deslocava de lugar dando pulinhos ou pulões, conforme a necessidade do momento. Existem especialistas em todas as áreas do conhecimento e no caso do saci, também existem aqueles que se dizem “expert” no assunto. Afirmam que mesmo sem ver pessoalmente um saci, é muito fácil reconhecer os sinais deixados por eles. O saci macho assovia soprando o ar para fora e o saci fêmea assovia chupando o ar. O saci macho só tem a perna direita e a fêmea só tem a perna esquerda, sendo que de vez em quando nasce um bebê saci aleijado, isto é, com as duas pernas, mas infelizmente ele só sobrevive por poucas horas. Naqueles velhos tempos a que minha mãe se referia, além das artes que fazia com os animais, ele também era dado a fazer outras estrepolias, como misturar sal com açúcar, esconder as tampas das panelas, esconder linha e agulha, etc ... Com a derrubada das matas e o avanço dos canaviais, aconteceu o êxodo das pessoas para a cidade e o saci resolveu também se mudar, já que na zona rural não ficou quase ninguém. Já na cidade, ele teve de mudar seu tipo de traquinagem, pois não havia mais graça em atazanar pessoas comuns, então ele começou a perturbar a vida dos políticos, desde o presidente, o vice, senadores, deputados, prefeitos e vereadores. Também não escaparam os ministros, presidentes de estatais e um sem número de colarinho branco. Lá no sítio ele escondia panela, agulha, etc... Na cidade ele começou esconder verbas públicas, obras e principalmente dinheiro. Ai todo mundo se perguntava onde estava a verba para a construção da escola, onde foi parar a merenda dos alunos, cadê o dinheiro da Santa Casa, ou então, onde está a escola ou a creche que o governo afirma que fez e no local só tem terreno vazio e a ponte que sumiu? O remédio que estava para chegar? Ao serem inquiridos a dar uma resposta satisfatória, os responsáveis em zelar pelo bem público fazem a maior cara de pau e respondem que todo o desmanzelo, ou melhor, roubos, foram obra do saci. Ah, como esse neguinho tem mesmo as costas largas.