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ARTIGOS
11/05/2025
STJ reconhece gênero neutro em registro civil em decisão inédita no ordenamento jurídico brasileiro

PARTE 1 DE 2*
Na sessão de julgamentos desta terça-feira, 6, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu uma decisão de caráter inédito no Brasil ao determinar a retificação de registro civil de uma pessoa para inclusão do gênero neutro. A parte autora, após passar por cirurgias de redesignação sexual e tratamento hormonal, declarou não se identificar com o gênero masculino nem com o feminino e, por essa razão, pleiteou judicialmente a adequação do seu registro civil à realidade vivenciada.
O recurso especial foi interposto contra decisão que havia negado a alteração pretendida, sob o fundamento de que o ordenamento jurídico brasileiro não prevê expressamente o reconhecimento do gênero neutro. No entanto, ao apreciar o caso, o STJ adotou uma interpretação constitucional e principiológica, alinhando-se às diretrizes da dignidade da pessoa humana, da igualdade e do livre desenvolvimento da personalidade.
A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, destacou que a questão ultrapassa a simples leitura das normas cartorárias e exige um olhar mais atento ao caráter humano e existencial do direito à identidade. Em suas palavras, trata-se de um “desafio jurídico e social”, uma vez que a matéria ainda é recente e pouco regulamentada, tanto no Brasil quanto em âmbito internacional. Apesar disso, ela enfatizou que o papel do Judiciário é justamente o de garantir direitos fundamentais mesmo na ausência de legislação específica, sempre à luz dos princípios constitucionais e tratados internacionais ratificados pelo país.
Segundo relatado no voto, a parte autora vivenciou um longo processo de transição de gênero, acreditando que a adequação física traria harmonia à sua identidade. Contudo, com o passar do tempo, percebeu que também não se reconhecia plenamente na identidade masculina adquirida, o que a levou a afirmar uma identidade não-binária. Essa experiência subjetiva e legítima foi essencial para a construção da tese acolhida pela Corte Superior.
Na fundamentação jurídica, a ministra apontou que o artigo 109 da Lei de Registros Públicos (Lei n.º 6.015/1973) autoriza a retificação do registro civil quando houver “erro ou omissão” ou quando a mudança for “necessária para adequar os registros à realidade”. Assim, à luz da Constituição Federal — notadamente o artigo 1º, inciso III (dignidade da pessoa humana) e artigo 5º, caput (igualdade) —, não se pode condicionar o reconhecimento da identidade de gênero a modelos binários, sob pena de violação à essência da liberdade individual.
Ainda segundo o voto, a exclusão da menção ao gênero masculino e a inclusão do marcador “gênero neutro” no registro civil não apenas assegura a proteção da identidade da parte requerente, mas também previne violações a outros direitos fundamentais, como o direito à intimidade, à não discriminação e à autonomia existencial. A ministra também mencionou que, embora o gênero neutro ainda não seja disciplinado em legislação ordinária, a ausência de norma específica não pode ser pretexto para negar direitos constitucionais.
A decisão foi unânime. Os demais ministros da Turma acompanharam o entendimento da relatora, reconhecendo que o direito à identidade é personalíssimo e não deve ser limitado por padrões sociais ou normativos que não acolhem a diversidade das experiências humanas. Para o colegiado, o sistema jurídico deve se moldar às transformações sociais, e não o contrário.
Do ponto de vista prático, a decisão representa uma mudança significativa na forma como os registros públicos deverão lidar com os pedidos de reconhecimento de gênero não-binário. Embora o caso em questão tramite sob segredo de justiça, seu impacto é indiscutível: trata-se do primeiro precedente em tribunal superior brasileiro a reconhecer expressamente a viabilidade jurídica do gênero neutro. Além disso, esse posicionamento poderá influenciar decisões de instâncias inferiores, embasar políticas públicas e orientar futuras propostas legislativas sobre o tema.
A decisão do STJ se insere em um movimento mais amplo de reconhecimento de identidades plurais, que também vem sendo observado em outros países. Na Argentina, por exemplo, já há regulamentação sobre o uso da letra “X” no campo de gênero dos documentos oficiais. Em países como Alemanha, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, a legislação também já contempla a existência de gêneros não-binários ou neutros, com variações na forma de registro e no alcance do reconhecimento legal.
*Continua no próximo domingo (18/5)
(*) Drª Ana Carolina Consoni Chiareto, advogada especializada em causas trabalhistas, cíveis, criminais e previdenciárias
Ana Carolina Chiareto (*)
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