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ARTIGOS
25/05/2019
A (pós) modernidade e a perseguição de si
O século XX construiu caminhos históricos da sociedade e de seus conhecimentos que acabaram por problematizar as grandes utopias e modelos de análise produzidos nos séculos anteriores, na chamada era da modernidade. Os caminhos das ciências também foram revolucionados nesse século por novas formas de lidar com as teorizações e as linguagens. A evidência dos novos fatos socioculturais levou alguns estudiosos a caracterizá-los como pós-modernos, instalando-se uma polêmica sobre o fim da modernidade.
A modernidade caracteriza-se como a era da racionalidade, a qual fundamenta não só o conhecimento científico, como as relações sociais, as relações de trabalho, a vida social, a própria arte, a ética, a moral. Cria, por sua vez, condições de verdade que enclausuram a própria razão e que geram formas de poder e homogeneízam contextos e pessoas, impondo-se como instrumento de controle.
Com a intensificação da fragmentação da realidade social e cultural, desencadeada pelas tecnologias, pela comunicação de massa, pela informação intensa, instantânea e rasa, sem reflexão, resvala-se para uma multiplicidade de sentidos sem sentido e para a perda de referências mais sólidas, estas substituindo-se em avalanches marqueteiras ou midiáticas.
A multiplicação e fragmentação dos conhecimentos rebate na educação. O multiplicar as matérias, o que é “uma aposta perdida de antemão, já que o crescimento exponencial dos saberes torna totalmente impossível sua aquisição em uma determinada etapa da vida”. A distinção espontânea entre aquilo que é preciso saber para ser aprovado, que se aprende na escola e não se usa para mais nada, e aquilo que é preciso saber para viver, que, em geral, aprende-se pela televisão, cada dia menos controlável pela população e mais inclinada ao despropósito como meio de chamar a atenção.
Para o polonês Zygmunt Bauman, quando quantidades crescentes de informação são distribuídas a uma velocidade cada vez maior, torna-se progressivamente mais difícil criar narrativas, ordens ou sequências de desenvolvimento. Os fragmentos ameaçam se tornar hegemônicos.
O filósofo sul-coreano Han alerta, em Sociedade do Cansaço, que cada época possui suas enfermidades fundamentais. Graças à técnica imunológica, deixamos para trás a época bacteriológica e viral e vivemos no século XXI a perspectiva patológica neuronal. Depressão, TDAH, Burnout. Não são infecções, mas enfartos, provocados não pela negatividade de algo imunologicamente diverso, mas pelo excesso de positividade. A violência da positividade não pressupõe nenhuma inimizade. Desenvolve-se precisamente numa sociedade permissiva e pacificada. O autor afirma que a sociedade do século XXI não é mais a disciplinar, mas uma sociedade de desempenho e produção. A positividade do poder é bem mais eficiente que a negatividade do dever. O depressivo não está cheio, no limite, mas esgotado pelo esforço de ter de ser ele mesmo. O que causa a depressão do esgotamento não é o imperativo de obedecer apenas a si mesmo, mas a pressão do desempenho.
O homem depressivo, segundo Han (2017) é aquele animal laborans que explora a si mesmo e, quiçá deliberadamente, sem qualquer coação estranha. É agressor e vítima ao mesmo tempo. Os adoecimentos psíquicos da sociedade de desempenho são precisamente as manifestações patológicas dessa liberdade paradoxal. Por falta de repouso, nossa civilização caminha para uma nova barbárie. O animal laborans pós-moderno é provido de ego a ponto de quase dilacerar-se. A especificidade é que somos ao mesmo tempo prisioneiro e vigia, vítima e agressor. Assim, acabamos explorando a nós mesmos. A dialética misteriosa da liberdade transforma essa liberdade em novas coações.
(*) Jamilly Nicácio Nicolete, Doutora em Educação, Coordenadora do curso de Pedagogia da FUNEPE e líder do Grupo de Pesquisa Diversidade, Educação e Gênero – GEDEG
Jamilly Nicolete (*)
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