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06/12/2012
“Lá ela estava, linda, leve, livre...”
-Severo Lima, Severo Lima, sobe aqui, vamos rodar.
-Eh, sô Zé, o mundo é grande e o tempo é curto. Por isso, falo falo, também porque o senhor quase nunca me interrompe...
Depois daquele causo dos "ripas"...Como é mesmo que a gente pronunceia? Ah, já tinha esquecido. O doutor me falou, um dia, que isso de esquecer é nada não, culpa dos janeiros. Mas uma coisa, sô Zé, eu sempre boto reparo: viajando, olhando, olhando, a memória da gente acorda. Tem vez que até cresce demais na imaginação, a cabeça voa. Você vê um tamanduá onde só corre um preazinho. Mas proseando no bem- bom, como a gente faz, o mundo vai rodando, coisas vão aparecendo e fica difícil, penoso, amarrar um causo no reto como um coqueiro babaçu velho. A pessoa começa, para, repica com outra prosa que ocorre, e tudo vai se esgarçando e se perdendo pelo caminho da prosa.
Pois então, sô Duda pediu que a gente fosse procurar ajuntar e trazer pra fazenda uma ponta de vacas que da outra vez não pegamos. No lugar do finado Biba, tinha um tal de Tico, Tonico Barbosa, acho. Ele falou que tinha jogado sal em cima de umas estacas no chão, que nem cocho tinha no pastinho. Falou pra sô Duda que um punhado de vacas já tava entrando lá pra lamber. Partimos escurinho ainda: Nenzim, Raimundo, eu, e lá esse Tico ia dar um empurrão. Sô Duda ia mais tarde, de caminhonete, levando as malmitas pro almoço e a conzinha pras outras bóias.
Trocando de tropa, no entardecer a gente saiu pra dar uma batida e ver se o gado começava a mostrar sinal de cocho. Todo mundo se espalhou pelo pasto encapoeirado, no jeito que deve ser. Mas esse Tico deu de me ladear. Pra onde eu virava, ói ele junto. Isso começou me irritar, provocar um jeito de ripuna, que eu não conseguia remitir de arrependido. Não seguia lição de minha mãe. Não, eu era só raiva. Não tinha arrependimento. Não sabe? Eu andava é meio cismado, mas com o animal. Eu montava uma besta rosilha, nova, sestrosa, e as mutucas parece que descobriram a coitada. Ela batia as patas no focinho, tentando derrubar as bichas e aí elas atacavam na cabeça. Eu batia com a mão aberta, que chegava a sair cheia de sangue. Mas não tem inferno pior que mutuca quando começa a ferroar um animal. Pra me livrar desse Tico, aproveitei as mutucas e falei que ia descer mais um pouco, que tinha um lugar mais limpo. Ele que fosse andando em outra direção. Saí mais no aberto, apeei, amarrei a mula na sombra de uma aroeirinha, sentei numa pedra do lado e fiquei olhando pra encosta do morro, que descia florida. Os ipês-amarelos parece que incendiavam a tarde, os olhos da gente, tudo.
Eh, sô Zé, os pequizeiros já tavam deitando florada no chão e daqui pra ali eu só escutava os saltos dos fubocas fugindo assustados. Taí bichinho de Deus que adora flor de pequi. Olhando, eu ficava mais encantado com as cagaiteiras. Aquela brancura de vestidos de noivas, sabe, a gente moço...um cheiro brabo de mais plantas, flores do cerrado. Sertanejo tem de ser que nem cachorro, tem que ter faro e ouvido. O livro dele é o que tá no chão e o que tá lá no céu. Se não sabe ler essas duas folhas, ele se perde.
Não sou de mentir, senhor compõe e dá fé. Falo no dizer do sim, sim; não, não. Esqueci vaca, esqueci Tico, quase me esqueço sentado naquela pedra e tentando segurar uma fumacinha que passava por minha vista, crescendo, crescendo. E ela, essa fumacinha, foi virando uma mocinha de branco, que riu, sorriu e desapareceu como voando. O senhor releve essa intimidade, essa rédea bamba da alma, a gente já fora de idade, mas foi ansim, assim,sim, até a mula parecia me olhar meio estranhada. Sabe de uma coisa? Eu confesso é tudo: o senhor há de ver que a mula parecia me falar:-"Severo, Severo, você precisa é de uma namorada!"
Sabe? Foi quando, já revelei pro senhor, fui de visita ao primo Reginaldo, e fomos no bailinho nos Bezerra. Lá ela estava, linda, leve, livre a mocinha: sinhazinha Maia. A depois Nhá Li, que atravessou comigo o vale da vida, no raso e no fundo, no resseco e na florada. A visão dos seus cabelos brilhando na madrugada orvalhosa do baile, no frescor de brisa soprando mansinho no amanhecer, isso não sai da frente dos meus olhos. Mas ela se adiantou um pouco na viagem. Eu fiquei no pó, com a trouxa da vida nas costas. Nhá Li. Ah, alma devotada ao bem; hoje, borboleta mansa de minha saudade. Que às vezes ferroa.
(*) José Fulaneti de Nadai é professor e escreve as quintas-feiras para o DIÁRIO
José Fulaneti de Nadai
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