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24/12/2009
O DIREITO NOSSO DE CADA DIA - Por Renato de Almeida Muçoucah
A lei e a fé
É tempo de Natal: tempo de celebrar a festa do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo que, se para alguns possui o fundamento e até mesmo a razão de ser humano, para outros não significa ninguém. E não é de hoje que existe a dicotomia entre Estado laico e vida religiosa, embora tais mundos se interpenetrem. As relações entre o mundo jurídico, das leis, que abstraem qualquer preceito de natureza religiosa e garantem o livre exercício de crença, e o mundo religioso, que busca levar-nos à busca por uma proteção espiritual qualquer, são de muito já conhecidas e sentidas por todos nós.
Historicamente, no Brasil, quem maior influência histórica exerceu acerca das técnicas legislativas foi a Igreja Católica. Portugal e a Santa Sé, em Roma, mantinham relações mais que cordiais desde o século XIII, ao ponto de ser o próprio Rei de Portugal quem nomeava bispos e auxiliares para o Reino e para as colônias, como o Brasil. Como religião oficial, a distribuição da Justiça tornou-se interessante no Brasil até os tempos das reformas liberais do Marquês de Pombal: no Brasil, até meados do século XVIII, existiam aproximadamente quatro órgãos judiciários, todos nas principais regiões do país da época. Fora destes contextos, muitos casos de família – como inventário, partilha, herança – ou mesmo investigações criminais eram promovidos por membros da Igreja, nas chamadas “devassas”, que se assimilam aos atuais inquéritos de polícia.
Não apenas na aplicação da lei, porém, a Igreja teve suas influências. Foi na sua própria construção que diversos preceitos foram introduzidos e nela permanecem até hoje, influenciando toda a nossa vida. Desde qualificar o homicídio como crime às leis trabalhistas, que têm base na doutrina social da Igreja Católica, esta religião se fez presente em nosso Estado laico. Ampliando-se as religiões que tem na figura de Jesus Cristo o personagem principal de suas pregações, certos feriados (como o Natal), embora de origem católica, é celebrado pela maioria da população brasileira.
Assusta-me, porém, o desrespeito a outras religiões de cunho não-cristão. Ninguém leva em consideração, ao falar sobre Natal ou espiritualidade, as crenças judaicas, os credos ligados a Umbanda ou Candomblé e, menos ainda, respeitam as pessoas atéias – as quais, frontalmente, recusam-se a acreditar em Deus ou em qualquer força superior.
É importante falar sobre liberdade religiosa no século XXI, em meu sentir, porque muitas atitudes criminosas são encobertas sob o manto desta prerrogativa. Não estou falando apenas nos crimes mais comuns, como o sacrifício de seres humanos, a extirpação de partes de membros de seu corpo, feitos com o escopo de render homenagens a seres espirituais. Falo do fundamentalismo intolerante, presente de maneira ora mais enfática, ora menos, por algumas religiões – e, várias delas, de fundo cristão.
No curso recente de nossa história, creio que o divórcio tenha sido a questão mais marcante entre a separação dos valores religiosos e os do Estado laico. Não foi uma luta fácil. Rui Barbosa, um liberal por excelência (e que, portanto, deveria apoiar medidas neste sentido) taxou uma proposta de aprovação do divórcio, em 1900, como a “consagração da imoralidade”. Mesmo quando aprovado o divórcio, por pressão da sociedade civil (e há pouco mais de 30 anos), o preconceito contra os divorciados disseminou-se qual fogo, por diversas vezes incentivado por padres e pastores de religiões cristãs.
A intolerância, infelizmente, não parou neste momento. Hoje creio ser absolutamente anacrônico o preconceito contra pessoas divorciadas. No entanto, no curso dos últimos 30 anos, quantas pessoas não foram proibidas de frequentar seus templos de crença pelo simples fato de haverem, judicialmente, colocado termo ao casamento? E não é diferente hoje, de forma alguma. Já ouvi (não li, e sim ouvi) da boca de sacerdotes a apologia da intolerância em pleno século XXI, ao dizerem que, em seus templos, nenhuma mulher grávida e solteira poderia adentrar a Igreja ou permanecer em cultos ou missas; o mesmo diga-se em relação a homossexuais.
Afirmo, e com razões suficientemente fortes para afirmar, que nenhuma religião ou terceiros possuem o direito de interferir na vida das pessoas desta forma. É absolutamente ilegal e, num Estado laico, nada está acima do valor da lei. Questões religiosas devem pertencer ao foro íntimo de cada um, devendo apenas o indivíduo julgar-se apto ou não a seguir qualquer crença, ou mesmo em não seguir nenhuma e a todas repudiar, desde que em sua própria consciência. Nenhum de nós poderá julgar alguém por querer crer em Deus ou não, crer nesta ou naquela religião – nem mesmo os sacerdotes da religião que estiver em apreço.
Os limites à liberdade religiosa, que é estabelecida constitucionalmente, encontram barreiras: o respeito aos direitos humanos de cada um de nós. Personalidade, privacidade, honra, liberdade de pensamento, enfim, são garantias que não podem ser submetida ao arbítrio de quem quer que seja. Por esta razão, desejo aos cristãos um Natal repleto de paz e harmonia, e aos não-cristãos um excelente e proveitoso feriado, pois este é nosso dever legal (e não apenas favor ou condescendência): respeitar a personalidade de cada ser humano.
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